A pressão crescente sobre a rotina médica, somada ao desgaste emocional e às desigualdades de gênero, tem levado parte dos médicos brasileiros a antecipar o fim da carreira. Segundo pesquisa da Medscape, 9% dos médicos com menos de 45 anos citam o burnout como motivo para aposentar-se mais cedo, enquanto 59% dos jovens profissionais relatam sintomas de esgotamento. O levantamento ouviu 1.240 médicos de diferentes regiões do país e revela um cenário preocupante sobre o futuro da medicina no Brasil.
Embora muitos apontem a aposentadoria como uma oportunidade para buscar equilíbrio e novos projetos de vida, o estudo mostra que os desafios psicológicos e financeiros pesam na decisão. Entre os médicos mais jovens, o cansaço mental aparece lado a lado com o desejo de ter mais tempo para a família (56%, contra 42% dos profissionais mais velhos).
As médicas mulheres enfrentam um quadro ainda mais desigual: 57% delas relatam sinais de burnout, frente a 51% dos homens, e demonstram menor confiança na estabilidade financeira do futuro. Segundo a Medscape, a combinação de sobrecarga emocional e desigualdade estrutural está influenciando diretamente os planos de aposentadoria feminina.
Diferenças de idade e gênero moldam o futuro da profissão
O estudo aponta que a média de aposentadoria prevista pelos médicos com menos de 45 anos é de 60 anos, enquanto profissionais mais experientes pretendem seguir ativos até os 70 ou 80 anos. Entre os homens, 21% dizem querer trabalhar até os 80 anos ou mais - o dobro do percentual entre as mulheres (10%).
A pesquisa também mostra diferentes planos para o período pós-carreira:
25% desejam seguir em meio período;
14% pretendem migrar para docência, consultoria ou gestão;
30% planejam encerrar definitivamente a carreira médica.
A renda projetada para a aposentadoria reflete a desigualdade de gênero: os homens estimam precisar de R$ 25 mil mensais, enquanto as mulheres calculam cerca de R$ 19 mil, resultando em uma média de R$ 23 mil. As principais fontes de renda são poupança e investimentos (82%), pensão do governo (64%), previdência privada (48%) e imóveis (42%). Apesar disso, apenas 36% dos médicos recorrem a consultores financeiros para planejar o futuro.
Aposentadoria: entre o alívio e o medo da perda de identidade
As percepções sobre a aposentadoria também revelam ambivalência. Enquanto 43% acreditam que se sentirão bem e 18% esperam alívio, 13% preveem tristeza com o desligamento da profissão. Entre os mais jovens, prevalece a sensação de alívio; entre os mais velhos, o receio está ligado à perda de propósito e identidade profissional.
A maioria (62%) considera que a idade influencia diretamente a capacidade de exercer a medicina, e mais de metade acredita que, a partir dos 75 anos, o médico já está “muito idoso” para atuar. Ainda assim, muitos veem a aposentadoria como um processo gradual - não um rompimento. “Para quem sempre trabalhou, é difícil parar abruptamente”, relatou uma anestesista ouvida pelo estudo.