Um dos maiores mapeamentos sobre o bem-estar de estudantes da rede pública brasileira revelou um cenário alarmante: oito em cada dez alunos do Ensino Médio apresentam sintomas de ansiedade e depressão. O dado é da Avaliação do Futuro, pesquisa conduzida pelo Instituto Ayrton Senna em parceria com o CAEd/UFJF e secretarias de Educação de cinco estados (Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná e Ceará).
A análise envolveu 89 mil estudantes e mostra que habilidades socioemocionais - como autogestão, engajamento e resiliência - são determinantes tanto para o aprendizado quanto para o equilíbrio psicológico. Jovens com maior capacidade de planejar, persistir e lidar com frustrações registraram melhores resultados em Língua Portuguesa e Matemática e apresentaram relações interpessoais mais saudáveis.
Os dados expõem uma realidade preocupante nas escolas públicas:
38,9% dos estudantes sentem-se esgotados ou sob pressão;
33,9% perdem o sono por preocupações;
22% dizem-se incapazes de superar dificuldades;
20,4% relatam estar infelizes ou deprimidos;
22,1% perderam a confiança em si mesmos;
7,9% afirmam ter dificuldade de concentração.
A diferença de gênero é outro ponto sensível: 25,2% das meninas relataram ter perdido a confiança em si mesmas, contra 17,8% dos meninos, reforçando que elas são as mais vulneráveis emocionalmente durante a adolescência.
De acordo com Ana Crispim, gerente de pesquisa do eduLab21 e doutora em Psicologia pela University of Kent (Reino Unido), os resultados refletem desgastes emocionais que exigem atenção urgente.
“A saúde mental é multifatorial - envolve as relações consigo mesmo, com os outros e com o contexto de vida. Entre os adolescentes, essas pressões podem vir de desafios próprios da idade, desigualdades sociais, expectativas familiares ou até das comparações nas redes sociais”, explica.
Crispim reforça que a escola tem papel central na prevenção e promoção da saúde mental.
“Além de identificar fatores de risco, é preciso fortalecer fatores protetivos: vínculos, escuta, acolhimento e programas estruturados de desenvolvimento socioemocional”, afirma.
O levantamento confirma o que pesquisas anteriores do Instituto Ayrton Senna já indicavam: o desenvolvimento socioemocional é decisivo para o sucesso acadêmico e o bem-estar dos estudantes.
“Estudantes com autogestão elevada têm notas mais altas, persistem diante das dificuldades e constroem relações mais positivas dentro da escola”, destaca o relatório.
Essas competências, segundo Crispim, não são inatas - podem e devem ser trabalhadas intencionalmente pela escola, com apoio de professores e famílias.
Os índices mais altos de sintomas entre meninas seguem um padrão observado globalmente. A adolescência, segundo especialistas, é marcada por uma queda acentuada na resiliência emocional feminina, impactada por fatores como insatisfação corporal, pressões sociais e estéticas e comparações nas redes.
“A adolescência é um período desafiador. O apoio emocional e o fortalecimento da autoconfiança fazem toda a diferença nessa fase”, explica Crispim.
Para Gisele Alves, gerente executiva do eduLab21, o estudo deixa claro que a saúde mental é uma pauta educacional urgente.
“Não há solução única. É preciso articular estratégias pedagógicas, psicológicas e sociais, unindo políticas de educação, saúde e assistência social”, reforça.
Ela lembra ainda que os professores também precisam de suporte emocional.
“Promover saúde mental na escola significa criar um ambiente onde aprender e se sentir bem caminhem juntos — tanto para os alunos quanto para os educadores”.
A Avaliação do Futuro consolida o protagonismo brasileiro na pesquisa em educação baseada em evidências. O estudo faz parte de um esforço contínuo do Instituto Ayrton Senna e do CAEd/UFJF para mensurar como emoções, valores e competências sociais impactam a aprendizagem, o convívio e o projeto de vida dos estudantes.
“Mais do que medir notas, precisamos compreender pessoas. O desenvolvimento socioemocional é a base de uma educação que forma cidadãos íntegros, críticos e emocionalmente saudáveis”, conclui o relatório.