Um estudo conduzido pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HCFMUSP) revelou um avanço significativo no tratamento de casos graves de febre amarela. A adaptação de protocolos de atendimento utilizados para hepatites fulminantes elevou a taxa de sobrevivência dos pacientes elegíveis para 84%. O método, que envolve transfusões de plasma sanguíneo, permite maior tempo para a recuperação do fígado e reduz a necessidade de transplantes.
A terapia foi originalmente desenvolvida por uma equipe dinamarquesa para tratar hepatite grave. No entanto, a equipe de infectologia do HC observou que, enquanto pacientes com hepatite apresentavam melhora em poucos dias, os acometidos pela febre amarela necessitavam de tratamentos mais prolongados para obter resultados positivos.
No Brasil, a principal opção para casos críticos de febre amarela é o transplante de fígado, um procedimento complexo e de difícil acesso. Além disso, a alta taxa de mortalidade decorre tanto da demora na realização do transplante quanto da permanência da infecção no organismo. Segundo o estudo, a resposta imune desregulada e a carga viral elevada agravam o prognóstico dos pacientes, tornando essencial a busca por alternativas mais acessíveis e eficazes.
A terapia com plasma se destaca pela simplicidade e pelo custo reduzido em comparação ao transplante. De acordo com a médica Ho Yeh-Li, coordenadora da UTI de Infectologia do HC, a disponibilidade de plasma nos hemocentros e a existência de equipamentos adequados nos hospitais de alta complexidade facilitam a implementação da técnica.
Os casos de óbito relatados no estudo ocorreram, principalmente, em pacientes com doenças hepáticas preexistentes. Um dos exemplos citados é o de um homem de 48 anos com histórico de uso excessivo de álcool, cuja condição clínica agravou os efeitos da infecção.
A técnica desenvolvida pelo HC consiste na aplicação de transfusões de plasma duas vezes ao dia, em sessões que duram entre uma hora e uma hora e meia. A equipe responsável pelo procedimento inclui enfermeiros e um médico de referência, sendo possível combinar a terapia com outras transfusões sanguíneas, quando necessário. A duração do tratamento varia conforme a resposta do paciente, sendo reduzida de maneira gradual até a remissão da infecção.
O protocolo foi aplicado com sucesso no surto paulista de 2018/2019 e replicado pelo Hospital Nereu Ramos, em Florianópolis, com resultados semelhantes. A pesquisa envolveu colaboração entre o Departamento de Infectologia e Medicina Tropical e o Departamento de Gastroenterologia do HCFMUSP, além do Serviço de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular. O estudo também contou com apoio do Churchill Hospital, da Universidade de Oxford, e da Fundação Pro-Sangue.
Apesar dos avanços terapêuticos, a eficiência do tratamento na atual onda de casos em São Paulo tem sido comprometida. Segundo a doutora Yeh-Li, muitos pacientes não chegam a hospitais de alta complexidade a tempo de receber o tratamento adequado. A falta de treinamento das equipes de unidades de atendimento primário e secundário tem dificultado o diagnóstico precoce e o encaminhamento correto dos casos graves.
A situação é preocupante: dos 18 casos confirmados em São Paulo este ano, 12 evoluíram para óbito, resultando em uma taxa de mortalidade superior a 60%. Em contraste, no surto de 2018/2019, esse índice foi de aproximadamente 35%. O aumento dos casos levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a emitir um alerta para viajantes em 14 de fevereiro deste ano.
O governo estadual tem intensificado as campanhas de vacinação, medida essencial para conter a doença. Dos 12 mortos, 11 não haviam sido vacinados. A febre amarela segue como uma ameaça, especialmente em áreas de maior incidência, tornando vital a ampliação da cobertura vacinal e a capacitação das equipes de saúde para diagnóstico e tratamento precoces.
Além dos casos em humanos, 36 infecções foram confirmadas em primatas não humanos no estado, com concentração nas regiões de Ribeirão Preto e Campinas. O avistamento de macacos mortos pode indicar a circulação do vírus e deve ser reportado às autoridades sanitárias.