A partir de 2026, o Brasil inicia a implantação prática do novo modelo de tributação sobre o consumo, previsto na reforma tributária. A mudança substitui gradualmente tributos atuais por dois novos impostos - IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) - e inaugura o chamado IVA dual, com duas apurações distintas (uma estadual/municipal e outra federal), mas com a mesma base de cálculo.
Quem alerta para a dimensão da transição é Paulo Adriano Grenzel, representante do Conselho Regional de Contabilidade do Paraná (CRC-PR) e integrante de entidades ligadas ao setor contábil local. Em entrevista, ele destacou que 2026 será um ano decisivo para ajustes operacionais, atualização de sistemas e compreensão do impacto por setor.
“É uma mudança no pensamento do tributo. A classe empresária está preocupada e a contabilidade tem sentido pressão para cumprir prazos e entender o que muda de agora para frente”, afirmou.
Pelo desenho aprovado, o novo IVA será dividido em dois blocos:
IBS: reunirá tributos hoje ligados a Estados e municípios, como ICMS e ISS, e também mudanças envolvendo o IPI dentro do novo arranjo de transição.
CBS: substituirá tributos federais sobre o consumo, como PIS e Cofins.
A lógica “dual” decorre do fato de haver duas administrações tributárias (entes federativos de um lado e União do outro), embora a operação use uma base semelhante para cálculo.
Segundo Grenzel, 2026 marca o início efetivo da implantação, especialmente para empresas fora do Simples Nacional que já apuram tributos como ICMS, PIS e Cofins - casos típicos de lucro real e lucro presumido.
Na prática, o primeiro passo será informar na nota fiscal a nova codificação de IBS e CBS. Trata-se de obrigação acessória que permitirá ao poder público monitorar volumes declarados.
Para quem cumprir as obrigações acessórias, o governo prevê uma alíquota “teste” de 1% (0,10% IBS e 0,90% CBS) sem necessidade de recolhimento efetivo em 2026, conforme o entrevistado. A cobrança entra de forma gradual a partir de 2027.
Um ponto sensível citado na entrevista é a exigência técnica na emissão de notas já no começo de janeiro. Houve sinalização inicial de que notas poderiam ser rejeitadas sem adequação, mas, depois, o Estado indicou que não bloquearia a validação. Ainda assim, deixar de informar os campos pode caracterizar descumprimento de obrigação acessória e gerar consequências fiscais.
A transição será longa. Grenzel explicou que:
2026: fase de implantação e testes (obrigações acessórias).
2027: início de recolhimento com convivência de sistemas.
2028: PIS e Cofins deixam de existir na forma atual, ficando apenas a CBS.
IBS: processo completo de substituição ocorre até 2033, com percentuais mudando ano a ano até a migração total do ICMS/ISS para o novo modelo.
“Será um período de jornada dupla. Vamos conviver com apuração antiga e nova por vários anos”, resumiu.
Um dos pontos mais relevantes citados na entrevista é a mudança na lógica de créditos. Na avaliação do representante do CRC-PR, o novo sistema tende a ampliar o direito de crédito, permitindo que empresas se apropriem de praticamente todos os insumos ligados à atividade, com exceção de itens de uso pessoal.
Por outro lado, há uma trava importante: o crédito só será tomado após o imposto ter sido recolhido pelo fornecedor.
Isso significa que compras de fornecedores inadimplentes podem impedir o aproveitamento de crédito, influenciando decisões comerciais e seleção de parceiros.
“A partir de agora eu só tomo crédito a partir do pagamento efetuado do imposto lá pela empresa que me forneceu”, explicou.
Outro impacto citado envolve o Simples Nacional. Como a lógica de créditos é central no IVA, empresas que compram insumos podem passar a avaliar de quem compram, já que operações com fornecedores do Simples tendem a gerar crédito menor, o que pode elevar o imposto devido na etapa seguinte.
Nesse cenário, Grenzel aponta que fornecedores do Simples podem ser pressionados a competir com preço mais agressivo para compensar a diferença de crédito, e alguns negócios podem ser levados a discutir migração de regime dependendo do perfil dos clientes.
“O ano de 2026 vai servir para analisar empresa por empresa e entender se o cliente vai exigir ou não crédito cheio”, avaliou.
O entrevistado também citou a possibilidade de avanço do split payment, mecanismo em que parte do tributo destacado na nota seria retida automaticamente no momento do pagamento (Pix, cartão, boleto), com repasse direto ao governo.
Nesse modelo, a empresa receberia apenas o valor líquido, e os créditos/débitos seriam compensados em um sistema de apuração assistida.
A preocupação principal está no impacto no fluxo de caixa, especialmente no início, quando pode haver defasagens entre retenções, pagamentos a fornecedores e apropriação de créditos.
Outro ponto estrutural da reforma é a mudança do destino do imposto. Pelo novo modelo, a arrecadação será direcionada ao local de consumo, e não ao local de origem.
Isso reduz a relevância da chamada “guerra fiscal” (incentivos para atrair empresas) e altera a dinâmica de municípios e estados que hoje concentram produção e vendas para outras regiões.
Grenzel apontou que a reforma também alcança situações antes menos discutidas, como casos em que pessoas físicas podem se tornar contribuintes de IBS e CBS, a exemplo de determinados perfis de renda com aluguéis.
Ele citou como exemplo a hipótese de contribuintes com volume significativo de imóveis locados e receita anual elevada, que passariam a precisar de uma inscrição própria para recolhimento - sem que isso, necessariamente, os transforme em pessoa jurídica.
Sobre o MEI, a orientação é de que, no curto prazo, não há mudança estrutural no regime, mas Grenzel reforçou alertas sobre fiscalização e erros comuns, especialmente em empresas abertas durante o ano.
Um dos equívocos frequentes é imaginar que o limite anual pode ser usado integralmente em um único mês. O correto é observar a proporcionalidade mensal e o limite por período de atividade. Outra prática que vem sendo alvo de atenção é movimentação incompatível com a estrutura do MEI e recebimentos que deveriam ser registrados na pessoa jurídica.
A entrevista também abordou alteração sancionada no fim de novembro, envolvendo regras relacionadas a lucros e distribuição. Grenzel relatou que escritórios contábeis precisaram agir rapidamente para protocolar documentos que garantissem tratamento específico para lucros já existentes, dentro do período previsto na norma, evitando mudanças de impacto para distribuições futuras.
Segundo Grenzel, entidades locais ligadas à contabilidade já promoveram capacitações e mantêm contato com empresas de software para atualização de sistemas, especialmente para garantir que notas fiscais passem a sair com os campos corretos e que a contabilidade consiga apurar tributos no novo padrão.
Ele avalia que o tema ainda depende de regulamentações e ajustes técnicos, mas que não deve haver recuo no cronograma.
“Veio para ficar. A empresa que não buscar informação e não entender o impacto no negócio pode ficar pelo caminho”, concluiu.