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A minuta da resolução 1020/2025 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) provocou intensa repercussão no setor de formação de condutores. Entre as alterações sugeridas estão a eliminação da obrigatoriedade do curso teórico, a redução das aulas práticas de 20 para apenas 2 e a autorização para atuação de instrutores autônomos. Para compreender os impactos dessas mudanças, a reportagem conversou com Tiago Port, proprietário do Centro de Formação de Condutores Marechal.
Segundo Port, as propostas representam uma ruptura significativa na forma como o Brasil prepara seus novos motoristas. “A resolução pretende reduzir o valor da primeira habilitação, retirando o curso teórico e diminuindo as aulas práticas de 20 para 2. Essa é, sem dúvida, a mudança mais drástica”, avalia.
O governo federal divulgou que a alteração poderia reduzir em até 80% o custo para o cidadão tirar a CNH. Para Tiago Port, porém, esse número não se sustenta. “É impossível. Só as taxas cobradas pelo Estado no processo da primeira habilitação já superam 30%. E isso sem considerar os custos administrativos mínimos necessários”, explica.
Com a proposta, aulas teóricas e práticas poderiam ser realizadas de casa, com acompanhamento remoto. Port, entretanto, acredita que essa flexibilização colocaria em risco a qualidade da formação. “Hoje, mesmo com 20 aulas, muitos candidatos não conseguem ir para a prova prontos. Reduzindo para duas aulas, o trânsito tende a piorar”, afirma.
Ele vê motivação política na iniciativa. “Isso não melhora o trânsito. É uma medida eleitoreira. O foco foi somente baratear custos, não capacitar melhor o motorista”.
O proprietário destaca que, nos últimos anos, as autoescolas enfrentaram uma série de novas exigências, como a obrigatoriedade do simulador. “Há uma portaria estadual de 111 páginas só com exigências. Manter uma escola hoje tem um custo muito alto. Talvez seja esse ponto que o governo deveria analisar para baratear a carteira sem prejudicar o ensino”, comenta.
Segundo Port, entidades representativas do setor conseguiram abrir uma comissão no Congresso para discutir a resolução. O primeiro entendimento aprovado foi contrário ao instrutor autônomo. “A comissão definiu que o instrutor deve estar vinculado a uma autoescola. Isso já foi aprovado internamente”, diz.
Outros pontos seguem em análise, e a comissão tem prerrogativa inclusive de “sustar” a resolução se concluir que ela extrapola o Código de Trânsito Brasileiro.
Port acredita que algumas autoescolas poderão enfrentar dificuldades, mas também prevê aumento de demanda por aulas avulsas. “Com a compra individual de aulas, o custo final pode ficar maior do que o pacote tradicional. Isso vai totalmente na contramão do objetivo da resolução”.
Hoje, o CFC Marechal emprega sete profissionais e pretende manter ou até ampliar a equipe. No entanto, o empresário reforça que nada muda de imediato: “A resolução ainda não está em vigor. Se publicada, o Estado precisará se adaptar, e isso não acontece da noite para o dia”.
Há expectativa de que a norma entre em prática em 2026 - mas Port lembra que o cenário ainda é instável. “A resolução pode sofrer alterações e até ser suspensa. Ainda acreditamos que será publicada neste mês, muito por conta da possível saída do ministro para disputar outro cargo”.
Enquanto o debate avança em Brasília, as autoescolas buscam defender a manutenção da qualidade na formação dos futuros condutores. Para o setor, qualquer mudança precisa priorizar um trânsito mais seguro, e não apenas mais barato.