Educação Sem celular
Seis meses após proibição do uso de celulares, escolas públicas do Paraná registram avanços na saúde emocional e na aprendizagem
Sem telas, alunos redescobrem a leitura, os jogos, o convívio e até o crochê; rede estadual aponta redução de ansiedade e melhora na concentração
07/08/2025 15h25
Por: João Livi Fonte: Secretaria de Estado da Educação
Escolas estaduais do Paraná redescobrem o valor da convivência com menos tecnologia e mais interação entre alunos. (Foto: SEED)

Meio ano após a entrada em vigor da lei federal que proíbe o uso de celulares em escolas públicas e privadas, os reflexos da medida já são visíveis no Paraná. Equipes pedagógicas relatam mudanças expressivas no ambiente escolar, com destaque para a melhoria da saúde emocional dos alunos, maior interação entre colegas e o resgate de atividades analógicas, como leitura, jogos e trabalhos manuais.

No Colégio Estadual Professora Jaci Real Prado de Oliveira, em Almirante Tamandaré, na Região Metropolitana de Curitiba, a diretora Simone Regina Buzato aponta uma mudança drástica no quadro emocional dos estudantes. “Costumávamos lidar com, no mínimo, três crises de ansiedade por mês. Em 2025, com a proibição do celular, nem lembro a última vez que tivemos uma situação assim”, afirma.

A experiência da unidade reflete o que tem sido observado em outras escolas da rede estadual. O secretário de Estado da Educação, Roni Miranda, confirmou que a medida foi bem recebida por profissionais e famílias. “A avaliação é muito positiva. Defendemos o uso do celular apenas para fins pedagógicos, sob orientação do professor. Fora disso, a rotina escolar está mudando para melhor”, declarou.

Medidas de adaptação e criatividade no recreio

Antes mesmo da legislação federal, o Paraná já havia se antecipado por meio de uma Instrução Normativa da Secretaria da Educação, que estabeleceu critérios para recolhimento dos aparelhos e possíveis sanções. Segundo Telma Luzio, chefe do Núcleo de Normatização Escolar da Seed, a transição tem sido mais tranquila do que se imaginava. “Pensamos que haveria mais resistência, mas não temos recebido muitas reclamações. A adaptação está acontecendo naturalmente”, destaca.

Para preencher os espaços deixados pela ausência das telas, as escolas passaram a adotar atividades criativas e interativas nos intervalos. Em Astorga, no Norte do Estado, o Colégio Estadual Governador Adolpho Oliveira Franco distribuiu livros de colorir do tipo “Bobbie Goods” para estudantes do Ensino Fundamental. Já os alunos do Ensino Médio transformaram o recreio em pista de dança, com coreografias ao som de hits das décadas de 1980 e 1990 organizadas pelo grêmio estudantil.

Leitura, jogos de tabuleiro e crochê

Outras práticas têm se multiplicado em colégios de todo o Paraná. Cantinhos de leitura motivam alunos a mergulharem nos livros. Juliana Linhares, 14 anos, do 9º ano, conta orgulhosa: “Já terminei um livro de 200 páginas e estou terminando outro de 500. Se eu tivesse com o celular na mão, acho que não teria conseguido”.

Além dos livros, mesas de pingue-pongue, paredes de escalada, camas elásticas, campeonatos de xadrez e jogos de tabuleiro passaram a compor o novo cenário escolar. Atividades como crochê também ganharam espaço. Em Curitiba, no Colégio Estadual Algacyr Maeder, o projeto tem envolvido estudantes de todas as séries, com destaque para a produção de pulseiras para uso pessoal ou presente.

Em Londrina, no Colégio Estadual José de Anchieta, o professor Henrique Bueno Bresciani relata que os jogos mais populares entre os alunos do Ensino Médio são os colaborativos, que estimulam o raciocínio lógico, a criatividade e o trabalho em grupo.

Relações fortalecidas e melhor aprendizagem

A ausência do celular em sala e nos intervalos trouxe outro ganho relevante: o resgate das relações interpessoais. “Eles começaram a conversar mais, a interagir durante o recreio, a prestar mais atenção em sala de aula. Isso tem favorecido a aprendizagem, mas, acima de tudo, fortaleceu os laços entre os próprios estudantes e com os professores e funcionários”, resume Marli de Marco, diretora do colégio de Astorga.

Para o secretário Roni Miranda, a mudança vai além da disciplina: “Nenhuma transformação é fácil, mas temos o apoio das famílias. O celular deve ser ferramenta pedagógica, e o recreio deve ser espaço de convivência. Esse equilíbrio é fundamental para proteger a saúde mental dos nossos estudantes”.